sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Morangos mofados

A manhã daquele sábado começou bem propícia pras emoções que ocorreriam no seu tardar. O sol tímido por entre as nuvens, o chacoalhar das folhas das árvores da rua pelo vento forte que trazia até mim aquele misto de cheiro de chuva e terra úmida. Mais tarde, de fato, choveria.

De frente ao portão guardava em mim apenas a ansiedade em te reencontrar depois dos dias sem te ver. Apertei o 205 e, com o dedo ainda na gradinha do interfone, ouvi o clássico "quem é?"seco e frio de alguém que desconhece a face do outrem que o convoca."Sou eu", respondi. Tão clássico quanto o primeiro, que de tão impassível de definições, é capaz de identificar exatamente seu interlocutor. Entrei sem menos. Ao passar pela garagem lembro de ter pensado que era sim possível jogar badminton sem esbarrar nos carros, ao contrário do que você me dissera certa vez. Subi as escadas como se conhecesse exatamente aquele lugar que poucas vezes visitei. Ao chegar no seu apartamento a porta já estava aberta e ouvi sua voz me chamando da cozinha. Tranquei a porta e fui ao seu encontro com os olhos na espera de algo que tanto os saciava: sua imagem. Quando te vi minha alma se alegrou e meu coração sorriu tanto que, mesmo que minha boca se manteve perplexa, dava pra ver as veias pulsando no meu pescoço, como um apelo do coração que estava ali, pedindo atenção. Como você é lindo. Não disse, mas pensei do momento que te vi até muito depois. Você estava simples, centrado nas suas obrigações domésticas. Suas roupas estavam lavadas e as únicas peças que sobraram compunham seu traje naquele instante. Aflito em terminar tudo o mais rápido possível e poder se ocupar com outras coisas transpareciam em suas ações quase todas muito rápidas. Trocamos algumas palavras, alguns sorrisos, roubei-lhe alguns beijos e o tempo passou sem que eu havia notado. Como você é lindo, repetia sempre em pensamento.
Terminada as tarefas domésticas, você pode enfim relaxar. Mas sabemos que você não pára. Com pensamentos a mil, vontade de decidir o futuro, programar as próximas horas, agilizar o máximo para melhor aproveitar fim do dia, você quase não sentiu minha presença ali. Até que, por fim, agarrei seu pé e fingi lhe fazer uma massagem. Sentados no chão, você de frente pra mim, com o pé esquerdo esticado sobre minha perna, fechava os olhos e conversava sobre o faríamos aquele dia, sobre nossos amigos e quem veríamos em breve. Segurei seu pé com minhas duas mãos. Os meus dedos comprovavam o contorno do seu pé que meus olhos desenhavam. Admirei de perto cada pedacinho daquele pé que ninguém, talvez nem você mesmo tenha reparado tanto. A sensação que senti foi única. Eu estava apaixonado. Tocava ali em algo muito mais do que um pé esquerdo, mas em um pedaço de você, em uma parte sua que me remetia ao todo. Todo esse que eu tanto amava. Eu te amava. Eu te amo. A sensação da proximidade que eu tinha de você durante aquela massagem me fez ter a certeza de que você me fazia bem. Em pensamentos, relembrei do nosso primeiro beijo. O beijo sabor morango. O beijo que como todos os outros me encantou, me tranquilizou. Olhei para você com os olhos brilhando, meu coração pulava de tanta euforia dentro de mim, senti o estômago revirar. Te metralhei com o olhar doce e carregado de amor que eu fixei em você. Você me olhou de volta e eu sorri timidamente. Retirou o pé e levantou de supetão dizendo que tomaria um banho. Você sequer notou em toda a singularidade dos meus gestos que diziam o tempo todo a importância que você tinha pra mim.

As horas foram se passando. Eu insistia em te querer. E você insistia em não perceber. Encontramos nossos amigos, saímos pra beber, nos divertimos, jogamos conversas fora. Várias foram as vezes que secretamente te encarei com certa furtividade. Como se meus olhares roubassem da sua imagem pra saciar a vontade que eu tinha de você. Mas você se afastava, não percebia, não se importava. O tempo continuava correndo. E você corria com ele. Corria pra longe de mim e eu quieto, observava tudo. Apenas percebia você passando por mim, te tirando de mim. Dos meus olhares, dos meus beijos, do meu contato, do meu coração. Você fugia. Você foge. Seria eu uma ameaça? Seria uma arma o meu amor? Não sei. Apenas vi, sem saber o que fazer, você se distanciar de mim. E assim ficou, até que mais tarde, enquanto todos dormiam, você completamente apático e indiferente me disse que não dava mais. "Não dá mais o que?! Você quer terminar, é isso?!", disse eu com o coração nas mãos. Você, incapaz de dizer que sim ou não, apenas gesticulou positivamente com a cabeça. Por que era tão difícil falar?!

O seu gesto covarde entrou pelos meus olhos que mais cedo havia te admirado com imensa paixão e desestruturou tudo em mim. Senti o chão ficar cada vez mais macio. Meu estômago revirava. Eu ia vomitar. Sem nem me importar com o resto, com a distância, com você, com quem visse, com quem ouvisse, com quem acordasse, eu corri até o banheiro onde vomitei. Vomitei todos os sapos que um dia você me fez engolir. Todas as palavras que eu segurei para não te dizer um dia. Todos os insultos que tentaram uma vez sair de mim. Todas as verdades que preferi não dizer. Todos os sonhos que ousei em ter. Vomitei todos os morangos do seu beijo. Vomitei tudo. E como se não bastasse, ainda ouvi você dizer que toda vez era assim, dessa forma e que já estava cansado dessa situação. Levantei do chão do banheiro e lavei o rosto com a água fria da pia e as lágrimas quentes do meu coração ferido. Te encarei mais uma vez. A última vez. E a única coisa que consegui dizer foi o tradicional, mas sincero "esperava mais de você". Chegamos no fim. Os morangos mofaram.

E, naquele sábado, por fim, choveu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário