terça-feira, 20 de outubro de 2009

Pra que serve?

Segurava um copo. No copo, gelo. A garota que enfrentava a grande metamorfose da vida admirava as gotículas de água que se formava do lado externo do copo. Mas, apesar de olhar o copo, não o enxergava. Sua visão estava perdida no meio das confusões internas que aquele coraçãozinho explosivo enfrentava. Hormônios e mais hormônios caiam na sua corrente sanguínea. Momento epifânico? Sim, aquele gelo a pertubava em alguma coisa...

- Suco ou refigerante?
- Acho que...Tem água?
- Mas...água? Experimenta o suco! É de amora, tá docinho, docinho!
- Tudo bem!

Enquanto a amável senhora despejava carinhosamente o conteúdo róseo com alta concentração de polpa de fruta e muito açúcar no copo com gelo, a garota percebia o quanto se incomodava por dentro. "O gelo vai acabar dissolvido! E ele não pode se misturar com esse líquido! São coisas diferentes, composições diferentes!", pensava. Não, não era o fato do gelo se misturar que a incomodava, mas sim o fato de perdê-lo no meio do suco. De perder aquilo que tanto despertava a sua curiosidade. "Pra que serve um gelo, senão pra gelar? Não serve pra nada!".

- Que carinha é essa? Está tristinha! - Questionou à menina-.
- Pensativa...
- No que pensas? No amor?
- Talvez...Você acha que...acha que as pessoas sabem amar?
- Querida, cada pessoa tem um jeito próprio de amar! Amores diferentes! O amor é tão subjetivo!
- Mas, eu tenho medo! E se não perceberem que eu amo? E se não me amarem?
- Você já sofreu por amor?
- Sim... - respondeu cabisbaixa-.
- O que aconteceu? Conte pra tia!
- Me deixei envolver, deixei o coração dizer tudo o que queria sentir. Deixei minha boca falar tudo o que o meu coração batia em código morse. Deixei o amor dominar meu corpo, controlar minha vida...Mas, quando tudo parecia céu, veio o tombo. Decepções atrás de decepções. Senti o sangue arder, o coração se suicidar. Não queria mais amar. E, hoje eu tenho medo de tentar...
- Mas você não pode ver as coisas com tanto sofrimento! Ele existe, é claro, mas a felicidade também. Se você é feliz, é porque você se permitiu ser feliz, e se você sofre, é porque você se permitiu sofrer! Não deixa! Viva, sinta, caia, canse, ria, levante e continue andando!
- Mas, e o coração?
- Ele sente dor, ele tem feridas, mas ele se recupera! O remédio pro coração chama-se tempo. E se você está disposta a não sofrer, o tempo pode ser bem menor. Não deixe de viver, de sentir, de ser feliz por causa de alguém que te fez feridas. Releve, apague e recomeçe! Tente absorver os pontos positivos das coisas. Se existe o negativo, existe o positivo também! Tudo tende ao equilíbrio!
- Mas, eu ainda tenho um medo! Medo de não ser percebida, vista, amada...
- Ora ora, esteja pronta, esteja aberta, esteja leve e as oportunidades virão. Não tenha pressa, apenas sinta, sinta cada momento...Cada coisa no seu tempo!

Voltou a atenção para o copo de suco. Grande parte do gelo havia derretido e o suco, é claro, gelado. "Pra que serve o gelo, senão pra gelar? Pra que serve o coração, senão pra amar?" pensou.

sábado, 10 de outubro de 2009

Nosso catedral

Por Lívia Miranda e Carlo Lanzetta



"Olha filho! O avião está fazendo um círculo!", disse a mulher de meia idade apontando para cima. "Não é um círculo, mamãe. É o elo que liga as pessoas distantes. É o portal encantado que une corações através da imensidão azul. É onde encontramos os sentimentos puros!".

A mãe olhou atenta para o garotinho que agora caminhava em direção a árvore e disse: "Onde você vai?". O menino virou o rosto e com um largo sorriso na face respondeu: "Vou sentir esse momento com mais perfeição. Quero respirar ar puro. Quero me sentir leve. Por que você não vem comigo? Há espaço no céu e no coração!".

A mãe pensa dois segundos e diz: "Filhote, um dia você vai perceber que há coisas que deves fazer sozinho. 'Dois às vezes é um número demasiado grande. Só você pode por ar em seus pulmões. Posso soprá-lo para você, mas vais inspirá-lo por si só".

Os olhos oblíquos do pequeno agora brilhavam intensamente. O vento que soprava seus cabelos empurrava sua alma. O ar levemente úmido purificava o seu coração. O menino se embebedava em esperança quando disse: "Eu sou livre! Sou livre para amar. Livre para viver!".

Uma criança, pensou a mãe, tão pequeno e tão meu. Não. Não é meu. "Sim, meu bem você é livre!", suspirou. Ela também podia sentir a Esperança naquele momento. Como se o toque do vento revigorasse. Talvez, mais que isso, como se o toque do vento curasse as feridas que, por conhecer, gostaria de evitar que seu frágil amor sentisse. Poderia ela?

Aquela sensação desencadeou um estranho momento epifânico naquela mulher. Com os olhares apagados para o mundo externo e radiantes para o seu interior, ela traduzia cada setimento seu que passou a vida inteira escondendo. Era como se os raios dos olhos iluminasse as trevas que impregnavam aquele pobre coração. Respirava profundamente. Cada vez que inspirava ela dava em seguida uma expirada que levava para fora dela mais do que monóxido de carbono, levava mágoas que antes estavam aprisionadas em cicatrizes internas.

Cicatrizes. Uma vez ouvira que cicatrizes são como marca-páginas: se houver um, você sempre vai saber por onde recomeçar. Diante disso, respondeu sua própria pergunta. Não. Não poderia evitar. Ele já sentia a Liberdade e para provar dela deveria cair. E se machucar. E levantar sangrando. Mas até o sangue cessa. "Que lindo campo! Vou correr! Me deixa correr? Só hoje?! Só agora! Prometo não ir longe!"

"Você sempre pode. Voe." E em seguida com as pernas bambas, lágrimas nos olhos e respiração ofegante, a mulher corria à toda velocidade por aquele perfeito campo. Corria com passos largos e fundos que amassavam a grama fofa deixando para trás a sombra de um rastro de alguém que já sentiu o amor, que já sentiu as dores do amor e que agora, mais do que nunca, sentia a vida. E era em busca de seus sonhos que ela corria. Ia em direção ao portal encantado que unia corações: o amor verdadeiro.