segunda-feira, 31 de maio de 2010

Sobre as euforias de uma depressão inacabável

Segunda-feira. Era início de tarde de segunda-feira, lembro claramente. Meio dia em ponto, acho. Não, já eram meio dia e vinte quando tudo começou. Isso, exatamente meio dia e vinte. Eu estava sozinho em casa. Minha mãe sempre me esperou para o almoço, mas naquele dia ela não estava lá e nem deixou recado como tem costume de deixar quando sai às pressas. O almoço estava pronto, lembro de ver as panelas ainda quentes sobre o fogão e o cheiro de comida nova. Segunda-feira sempre tem comida nova, feijão novo, arroz novo, tudo novo. Mas eu passei direto, nem se quer salivei. Não queria comer. Subi calado pro meu quarto com a mão no peito como se fosse ter um ataque do coração. Esvaziei os bolsos na escrivaninha e joguei a mochila na cadeira. Liguei o som e coloquei o CD pra tocar. Era "La Valse d'Amélie (Version Orchestre)" do Yann Tiersen. Caí de joelhos no chão perto da cama. Começei a chorar. Chorei como um menino que se perdeu dos pais no meio de uma rua movimentada de um bairro desconhecido. Deitei de barriga pra cima no chão frio e gritava, soluçava, agonizava. Sentia uma angústia inexplicável. As lágrimas desciam quentes e ferozes pelas bochechas como ácido em pele virgem. As narinas entupidas dificultavam a respiração que, ofegante, não dava conta de oxigenar os tecidos. A cabeça, por exemplo, ardia devido a ondas que saiam de pólos equidistantes do cérebro e percorriam todo um trajeto cefálico durante um período de tempo altamente cronometrado. A voz falhava com os gritos que saíam arranhando a traquéia. Me contorcia no chão como se estivesse sendo torturado sobre uma chapa quente invisível. Mas a dor não era no corpo. A dor era na alma, no coração. E as feridas desses locais são de difíceis cicatrização e não há anestesia que disfarçe o sofrimento.

Guardo na memória o momento em que agarrei o pé da cama, mordi o colchão e apertei bem os olhos até as lágrimas pararem de escorrer. Logo depois, larguei o colchão e me pus a repetir incansavelmente as frases: "Por que isso tem que acontecer comigo?" ou "Por que tem que ser desse jeito?" ou ainda " Por que sempre tenho que sofrer assim? Onde será que tanto erro?".

Os músculos da face formigavam e mechiam sozinhos. As lágrimas voltaram a cair. Tentei me levantar, mas minhas pernas e braços estavam moles. E, ainda perto da cama, me despi completamente. Em pêlo e ainda soluçando muito rastejei até o banheiro. Liguei o chuveiro e fiquei, por muito tempo, sentado no chão recebendo a água quente no corpo. O piano começou a tocar as notas de "Sur Le Fil" de Yann. Abraçei os meus joelhos e fiquei sentindo a água quente percorrer por entre meus cabelos até se misturar com as lágrimas que se desprendiam insistentemente dos olhos. A angústia dominava todo o meu estado de espírito. A água tentava lavar a alma que estava completamente nas trevas.

Estou tão triste. O universo sempre tentando equilibrar as coisas: Um dia você está no auge da felicidade, no outro você vai pro fundo do poço. E eu não consigo saber exatamente o que se passa comigo. Apenas sei que dói, dói muito! Por hora me dá vontade de não viver, digo, de não sentir. O machucado é fundo, a alma está inquieta. Euforia completa. Sinto que não vou dar mais conta, como se tudo isso fosse a última gota. Última gota no copo d'água, última gota no meu cabelo, última gota no meu corpo, última.

Enrrolei na toalha como quem enrrola todos os problemas que ferem e que nunca cansam de crescer. Enquanto não parar de sangrar, eu vou minguando, minguando, minguando, até.




quarta-feira, 19 de maio de 2010

A menina do laço de fita

Ela era baixa. Usava um vestidinho de chita branco e azul, daqueles de ir em batizado de primo e uma fita azul celeste no cabelo chanel e extremamente liso. Um sapatinho preto de fivela envolvendo a meia de rendinha branca feita à mão pela avó a deixava impecável, feito aquelas bonecas de porcelana que a mãe brincava quando criança.

A menina era pura, completamente pura. E sua pureza era tão grande que parecia um crime ela existir nesse mundo que tem se mostrado tão sujo. Mais do que pura, ela era única. E mesmo possuindo falsas cópias, elas não passam de cópias vazias. Vazias ao ponto de carregarem a mesma aparência e até o mesmo nome, mas uma essência super diferente. E todas elas, a verdadeira e as falsas, realmente existem. A menina de fita azul no cabelo e todas as outras que tentavam ser como a primeira eram reais e viviam num jardim.

Jardins são bonitos e misteriosos. Mas, por mais que sejam belos, eles não são tão puros como a minha menina. E essa impureza é mascarada. As plantas, por exemplo, se desenvolvem devido a matéria morta que se fundiu à terra. Crescem do podre abandonado pelos seres ao morrerem. O que se desenvolve dos restos não pode ser puro, pois se os seres quando morrem abandonam o corpo é porque na carne não está a verdadeira essência, entende? A carne serve de barreira. O essencial transcende o corpo, está na alma.

O jardim é o local sujo onde a menina vive sem se deixar influenciar pela sujeira. Porém, nele também é encontrado inúmeras outras falsas cópias dessa menina que se deixaram, consciente ou inconscientemente, influenciar pela sujeira. São meninas sem essência, sem um verdadeiro significado que as tornem dignas de existirem.

A garotinha de que tanto falo tem um vestido de chita branco e azul, sapato de fivela e meia de rendinha. Essa menina tem uma fita azul celeste no cabelo. Essa menina vive num jardim. Essa menina possui falsas cópias. O jardim representa o mundo. A menina representa o amor verdadeiro. E as falsas cópias representam o falso amor que predomina no mundo.

domingo, 16 de maio de 2010

O que não cabe em mim...


Os olhares se cruzaram. Ficaram estacionados como para ler a alma um do outro. Meus lábios sorriram automaticamente. Retribuiu o meu sorriso e à medida que sua boca ia abrindo meu coração ia se clareando. Meu espírito pulava num estado de êxtase profundo. Levei as mãos ao peito e sentia com meus dedos frios em contato com minha pele macia o coração pulsando cada vez mais forte. Era tanto sangue por segundo que minha pressão sanguínea aumentava de maneira incontrolável. Minhas pernas tremiam descompassadas. As pessoas do bar olhavam curiosos para nós dois. E, ainda olhando para seus olhos, eu disse tudo o que estava guardado em mim. Palavras que tentavam inutilmente descrever o que elas não dão conta. É tudo muito sublime e indizível. E, por mais que eu tenha usado todos os adjetivos para expressar o que eu sentia, eles ainda se tornavam escassos para a definição do real sentido da coisa, entende? Seus olhos brilhavam para mim, como duas grandes estrelas do céu. Esse gesto me deixou mais louco ainda. Minhas pernas tremiam mais do que eu conseguia segurar. Meu sorriso era maior que a minha boca e esse sentimento que se chama amor queria transbordar, porque era muito maior do que eu dava conta de imaginar. Muito maior do que eu. Muito maior do que tudo que eu já senti na vida. Sorriu pra mim novamente me desarmando mais ainda. Peguei a sua mão, coloquei no meu peito e disse, acompanhando o ritmo das batidas do meu coração que soletravam em código morse todo um amor que havia nascido ali dentro, o quanto amava. Disse-lhe o tanto que prezo esse amor, o tanto que prezo os corações e acrescentei ainda a fragilidade do meu. Um coração doce, como que recheado de creme de amendoim, que muito já sofreu por amor, que muito acreditou que não se recuperaria, mas que estava ali agora, puro, intacto e completamente preenchido. Foi então que eu disse:
- Está sentindo esse coração? Então, ele é o meu maior tesouro. E esse tesouro quer você. Você quer ficar com ele? Quer namorar comigo?

Coloquei a mão no bolso e tirei uma caixinha com duas alianças de prata com nossos nomes gravados. A gente se abraçou, forte. Muito forte. Eu estava num estado completo de felicidade e emoção. A gente se beijou. Um beijo apaixonado, o mais perfeito de todos.

Pegou minha mão, que ainda tremia muito, e colocou uma das alianças no meu dedo. Fiz o mesmo. Sorrimos um para o outro. Os olhos brilhavam mais do que tudo que reluz. A felicidade dominava todo o meu astral.


-Eu te amo!
-Eu te amo, muito!

E nos beijamos mais uma vez.

sábado, 8 de maio de 2010

Inusitado verdadeiro

Era noite. Faltavam exatos dez minutos para completar meia-noite. Ele cheirava a sabonete de lavanda e alecrim. Abriu a janela do quarto por onde observou o céu. Pensou se estavam pensando nele. O coração apertava. Uma onda de sensações se desprendia do seu corpo. Estava leve. Deu vontade de sorrir e ele sorriu, logo depois mordeu o lábio inferior como sempre fez inconscientemente. Os olhos brilhavam e refletiam quase com perfeição a luz da lua e das estrelas que se encontravam ali, naquele pequeno portal pra alma. Sorriu mais uma vez. Levou a mão ao peito e sentiu um misto de prazer e dor. Estava alegre. Tinha vontade de correr, de voar. Largou o céu por uns instantes, pegou o computador e sentou novamente perto da janela. Antes de voltar a olhar a noite, abriu a foto de quem despertava toda essa sensação no seu corpo, alma e coração. Seus olhos vibraram. Seus lábios sussuraram um nome, provavelmente o nome de quem ele começava a amar. Um nome forte, um nome bonito, um nome que possuía total harmonia entre as vogais e consoantes, um som que ecoava dentro dos seus ouvidos, mas principalmente dentro de seu espírito. Um nome que designa uma pessoa, mas que pra ele representa uma alma, de alguém incomum que conseguiu a permissão de se aventurar por entre as portas ocultas do seu coração, alguém que conseguia lê-lo, alguém que o completava. Estendeu uma das mãos e passou com compaixão e carinho no rosto da foto. Sorriu mais uma vez. Não cansava de sorrir. Estava feliz. Estava completo. O amor nasce assim: nos momentos secretos e inconfundíveis de si mesmo. Nas diferenças e semelhanças de duas pessoas que se completam, preenchem. A alma fica serena e em paz. O sorriso é maior do que a boca consegue mostrar. O coração diz que ainda está vivo, e a cada batida, mais forte e intenso. Os olhos enxergam mais cores e brilhos e transcendem para o intrínseco de cada ser no mundo. Ali, naquelas sensações silenciosas, naquele sentimento que começava a se tornar grande, o menino se apaixonava. E ninguém no mundo, além de mim sabe como aquele garoto na janela em plena virada de noite estava se sentindo. Voltar a sentir o que ele achava que nunca mais sentiria: o amor.

Era o fim de sábado dia 08 e início de domingo dia 09. Mas todo esse sentimento começou com uma inusitada conversa que aconteceu à duas semanas atrás, exatamente na segunda-feira dia 26 do mês anterior. E agora não tem mais fim...