quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Quem sou eu?

Do quarto escuro ele ouvia o som do dia lá fora o chamando. A luz se espremia nos minúsculos feixes de madeira da janela despertando, inutilmente,  a penumbra. O cheiro do lençol limpo se espalhava da cama às paredes, embriagando com aquele aroma artificial quem ali estivesse. Era tarde, quase meio dia daquela manhã de janeiro. E a harmonia inóspita daquele recinto sombrio continuava intocável, inabalável.

Suspirou. Passou a mão nos lábios secos, desprendendo, em seguida, a língua do céu da boca, onde se encontrava pregada com a saliva pastosa que lhe dava um certo gosto amargo de quem estava a horas em jejum. O olhar fixo no teto do quarto se quer se incomodava com as remelas que se alojaram no limiar de seus olhos. Com esse olhar vazio, o tempo passava enquanto se esforçava pra não pensar em nada. O cabelo, amassado no travesseiro, o esquentava causando um certo desconforto que anunciava a hora de se movimentar na cama. Permaneceu imóvel. Tudo que se ouvia era o som dos pássaros cantando na varanda lá fora, os carros que vez ou outra passavam pela rua e a sua respiração, que saía quente e num ritmo compassado até se misturar ao ar inerte daquele quarto. Tudo parecia morto.

Ei! Quem é você? Sou uma mente pensante, nada mais. Nada mais? Nada mais...E como numa música, num ritmo desconhecido, sua cabeça vazia foi preenchida de pensamentos sem fim, reflexões sem reflexos. E assim, foi tecendo uma linha, não muito contínua, mas bem confusa de raciocínios angustiantes. O que é estar vivo? É cair na inconstância de mim mesmo. Num abismo sem fim. E o que faz de você um ser vivo? Justamente essa bipolaridade. Esse conflito de pensamentos que me fazem mudar de ideia a todo instante. Esse tapa na cara de sonhos utópicos. E o gostinho amargo do fracasso que faz questão de me mostrar que ainda estou vivo, sinto. Você ainda sonha? Tolo é quem diz que não. Sonhos ou pesadelos são todos frutos do desejo e medo, de tudo aquilo que desconhecemos. E viver é desconhecer. Mas, e o tempo? O tempo é o de menos. Ele da fim à vida, mas também começa ela. Somos prisioneiros do tempo e isso não muda nada. Mas, e você? Eu? (Suspirou). Boa pergunta.

O quarto continuava inerte e sombrio. Porém, alguma coisa começava a mudar. O olhar, ainda fixo no teto já não estava mais vazio. Parecia ter encontrado seu foco, algo que valesse a pena olhar, buscar, admirar. A pupila, antes dilatada, agora estava densa, apontando com precisão o alvo com toda a certeza de sucesso. Uma mira infalível.

Então. Quem sou eu? Sou uma mente pensante, nada mais. Nada mais? Muito mais. Sou dono de mim mesmo. Eu vivo a realidade de um sonho. O sonho de estar vivo. E poder fazer do hoje o diferencial de ontem. Aprendizado, reflexões, conclusões. A teoria praticada. Mas e você? Eu? Eu estou bem. Sofrer é inevitável, a tristeza é real. Mas às vezes é preciso viver a angústia pra se conhecer a harmonia. É preciso afundar no poço pra se conhecer a saída, que muitas vezes, é subterrânea.
Abriu a janela, deixou a luz entrar. Já era mais de meio dia. Mas o dia só estava começando.

Nenhum comentário:

Postar um comentário