sexta-feira, 17 de julho de 2015

Quando em 2007....

O cheiro de café desprendia da xícara com tanta delicadeza que inundava, aos poucos, aquele pequeno espaço que costumo chamar de quarto. No momento o único som que conseguia ouvir era o da minha própria respiração que ora era interrompido pelo pigarro seco da minha garganta alérgica. Julho sempre foi muito difícil por isso, o tempo esfria, fica seco e a rinite logo ataca. Sentado de frente para janela me ponho a observar a noite silenciosamente. Os pés frios, encobertos inutilmente por meias que não foram capazes de mantê-los aquecidos. O gosto doce de xarope de tosse ia se dissipando a cada golada que eu dava naquele café, agora frio. Uma risada vindo da rua quebrou, momentaneamente, o silêncio servindo apenas pra interromper aquela enxurrada de pensamentos desconexos que atormentavam minha cabeça naquela noite silenciosa de sexta-feira. A gata solitária do lado de fora do quarto miou clamando atenção, inútil. Três toques: mensagens no WhatsApp. Suspirei. Não importa. A noite hoje está fria, pensei. Céu sem estrelas, apenas um avião piscando ao longe cortando aquela imensidão escura. Pensei em ligar a TV. Bobagem, não tem nada que presta lá mesmo. Liguei o computador e pus Yann Tiersen pra tocar. Quanto tempo que eu não ouvia Yann Tiersen. Mentalmente viajei pra 2007, quando nas tardes de segunda e quarta-feira eu costumava por algumas horas me sentir o serzinho mais feliz do mundo. Aquelas aulas de teatro onde eu me desligava de mim mesmo e vivia aquele momento. Quantas vezes eu vivi um momento pelo momento em si tendo plena consciência de que eu estava vivendo O momento e nada mais? Entende? Não importava se eu ia ter aula de inglês depois dali e não tinha feito a lição ainda, ou se eu ia conseguir carona pra voltar pra casa. A única coisa que me importava de verdade era aquela aula de teatro. O engraçado é que não consigo lembrar quanto tempo duravam as aulas. Acho que quando a gente vive um momento,não importa quanto tempo ele dure, a impressão que fica é sempre que você simplesmente viveu. Não gastou 1 ou 2 horas mas sim uma vida ali. Nostalgia. Se uma coisa eu aprendi com aquelas aulas e levo sempre comigo é que cada momento é único. Clichê. Mas, mesmo que você tente reproduzir todas as características que fizeram aquele momento, as circunstâncias nunca serão as mesmas. De repente começou a tocar "Le Moulin". Fechei os olhos. Incrível o poder da mente. Senti o cheiro da cera do taco da madeira do chão daquele velho auditório. As cortinas empoeiradas que permitiam passar pelas altas janelas pequenas frestas da iluminação daquelas tardes e que graças a elas, vez ou outra era possível ver os floquinhos de poeira dançando pelo ar. As vezes que, depois de tanto rodar e dançar as músicas do Yann eu me jogava naquelas poltronas velhas de couro com o apoio dos braços desgastado pelo tempo. Fiquei nesse frenesi por minutos.

De volta à realidade, lá estava eu. Ainda de frente pra janela, roçando um pé frio sob o outro. Fitando o céu negro daquela noite gelada. Oito anos depois e eu me via exatamente do mesmo modo. Mas, ao mesmo tempo, completamente diferente. Cara, envelhecer é isso? A vida nos ensina a perder a ingenuidade e ao mesmo tempo a ganhar responsabilidades que nos faz experientes. Somos treinados o tempo todo para sermos donos da nossa própria vida quando finalmente "crescermos". Nos ensinam matemática e português mas principalmente a escolher a futura profissão. Aquela falsa ideologia do "o que vou ser quando crescer". Aos 23 anos, percebo que preciso fazer as coisas por mim mesmo. Sozinho. E que não me prepararam para fazer escolhas. Medo do desconhecido. Deve ser essa a crise dos 20 e poucos né? Enfim, o que eu quero dizer é que quando a gente cresce a gente perde o foco do agora. Tende a pensar mais no amanhã. É sempre: o que vai ser de mim? O que eu posso fazer por mim? E nunca o: O que eu faço por mim? O que eu sou? Não quero ser um adulto chato. Mas também não quero a ingenuidade de volta. Só preciso viver mais os momentos. Momentos como esse, de solidão em frente a janela. Viver meus momentos de fraqueza pra enfim tentar entendê-las. Encarar, enfrentar, resolver. Não ter medo de errar e não me julgar as vezes que eu fracassar. Me permitir agir por mim mesmo, meus ideais, minha existência. Viver os tapas na cara que a vida dá e aprender com o diferente. Saber me dar o meu tempo. Viver momentos. Viver mais e sobreviver menos.

Abri a janela. Deixei a gata entrar. Aumentei a música e continuei por um bom tempo vivendo aquela noite solitária de sexta-feira. Porque aquela solidão também fazia o meu momento.


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